Chega uma vez mais a Páscoa.
Para além de todos os rituais religiosos em torno desta festividade, é esta uma das alturas em que se cumpre a tradicional visita dos afilhados aos seus padrinhos.
Afilhado/a e padrinho ou madrinha continuam a ser palavras deliciosas. E ainda mais quando ligadas às pessoas que são um ou outro.
Felizmente abraço quer o papel de afilhada, quer o papel de madrinha.
Um dia, alguém especial encontrou num livro escolar um texto delicioso que logo me ofereceu uma cópia!
Um pequeno texto dedicado a todas as madrinhas:
" A minha madrinha é doce e cheira tão bem que eu, mal a vejo, atiro-me ao pescoço dela e dou-lhe muitos beijos e ela só diz: - Ai que ternuras, que ternuras!
E as "Ai que ternuras, que ternuras" ficaram guardadas num dicionário que só eu é que tenho.
Há palavras assim. Palavras que vivem numa gramática que não está escrita em parte nenhuma. A gente puxa por elas e logo atrás aparecem outras cores, cheiros e sabores.
É tal e qual como se fôssemos à pesca de carapaus e nos viesse na linha uma lua cheia muito grande, um gato às riscas amarelas e verdes ou um chupa-chupa do tamanho dos candeeiros da minha rua.
No meu dicionário, a palavra ternuras diz-se quase com o mesmo som que a palavra cenouras. Eu sei que isto pode parecer um bocadinho maluco. Mas é assim e é tão simples de entender como todas as coisas que são assim.
Quando eu tinha tosse, a minha avó cortava cenoura às rodelas e punha açúcar, e eu até queria ter tosse para poder beber aquele xarope tão bom que ficava a escorrer das cenouras.
Das cenouras vinha o xarope... Da minha madrinha, as ternuras... Cenouras e ternuras! É fácil de perceber. O xarope de cenouras tinha um gosto parecido com o cheiro das ternuras da minha madrinha. São duas palavras muito doces, cada qual à sua maneira.
E pronto. No meu dicionário as coisas estão ligadas de uma forma um bocadinho misteriosa. E eu gosto de beijinhos e cenouras e xarope de ternuras..."
José Fanha, Diário inventado de um menino já crescido, Ed. Gailivro, 1.ªed., 2004